terça-feira, 5 de abril de 2016

Por quem as panelas batem?


O país não está dividido por conta da atual crise política e do nosso velho e conhecido "Fla x Flu". É preciso reconhecer que sempre estivemos divididos. Talvez esta diferença esteja entre aqueles que, de alguma forma, sempre se importaram com "tudo isso aí" e os que nunca se importaram com nada além de si próprios. Para perceber isto, basta uma pequena reflexão a respeito de quando exatamente e porquê panelas começaram a bater. Ou melhor: por quem as panelas batem no Brasil...

Basta lembrar o quanto era comum, em um passado não muito distante, o fato de pessoas da classe trabalhadora comerem carne apenas nos finais de semana. Era natural ouvirmos: "hoje é domingo, dia de comer carne". Se isso já te incomodou um dia, por um segundo sequer, seja bem vindo ao time dos que há muito tempo se importam "com tudo isso ai". Imagine nascer e nunca ter direito nem mesmo de se endividar? Em países capitalistas, direito de se endividar é uma espécie de "cidadania".

Acontece que, no Brasil desta época, cerca de 70% da população não tinha nem mesmo este direito se deixar seduzir pelo sistema de endividamento, que nos torna a todos escravos dos bancos. E é por isto que o país sempre esteve dividido. De um lado os que nasceram para participar da festa e, do outro, aqueles cuja sina sempre foi trabalhar para que a festa dos primeiros fosse perfeita. Mas acontece que, juridicamente, o Brasil é um dos países que possui uma das mais modernas e respeitadas Constituições do planeta, apesar de suas brechas golpísticas.

Foi aí que, pela primeira vez em 500 anos de "diversão", surgiu uma turma descendente dos serviçais querendo de alguma forma colocar regras na curtição, sugerir cardápio e repertório, aumentar o número de ingressos, dar um preço mais acessível e, por fim, tentar valorizar o serviço dos garçons e demais subalternos. Foi exatamente o que os governos trabalhistas ousaram fazer: valorizar os trabalhadores e de alguma forma tentar fazer com que eles também participassem da diversão capitalista: ter acesso aos bens e produtos.

Quando o ex-sindicalista Luis Inácio Lula da Silva, então candidato à Presidência da República, assinou a chamada "Carta ao Povo Brasileiro", assumiu um compromisso com os donos da festa: não irei mudar muito as regras da festa, vou apenas tentar lutar para que mais gente dela possa participar. Lula foi o primeiro governante do país a ousar fazer valer os dizeres da Constituição brasileira, admirada por ser a única do planeta que em seu texto contempla todos os tópicos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O rentismo permitiu que Lula assumisse o posto de presidente da República como naqueles filmes em que bilionários se divertem transformando mendigos em executivos por algumas semanas. E como se fosse uma história de cinema, o antigo operário de origem nordestina surpreendeu. Seu time colocou em prática suas ideias e, de repente, o mundo capitalista nacional e internacional se deu conta de como poderia ser lucrativo permitir que a imensa massa de trabalhadores começasse a ter acesso aos bens de consumo.

O que nem imaginavam era que as ideias do tal serviçal ajudassem a mudar a correlação de forças da geopolítica mundial. Localmente, interrompeu o processo de desmanche das empresas estratégicas à soberania. Fez em pouco tempo a Petrobras voltar a ser locomotiva da indústria brasileira. Isso, aliado a fatores como a valorização do salário mínimo, o baixíssimo índice de desemprego e as políticas de distribuição de renda, fizeram a economia do país subir de 13o para 8a no ranking das economias. Mundialmente, Lula fez o país existir no cenário político.

Em pouquíssimo tempo o mundo viu o Brasil se transformar de nação problemática a uma pátria com futuro promissor. Lula começou a ser protagonista das principais mesas de negociações do planeta. O poder financeiro internacional, e não apenas mais as elites locais, começou a perceber que deveria agir para cortar as azinhas daquela nação. Mas ninguém veria com bons olhos a retomada do poder em uma notável democracia pelas vias militares. Era necessário um modus operandi mais sutil. Afinal o Brasil não é uma Venezuela e muito menos uma Ucrânia, apesar de suas elites locais serem bastante parecidas no que diz respeito à possibilidade de perda de seus privilégios.

Foi ai que as forças obscuras do planeta desenvolveram uma nova modalidade de golpes de estado: os chamados Golpes Brancos. As agências de inteligência mapearam aqueles a quem consideravam "possíveis lideranças locais". Geralmente jovens notáveis dentro do meio jurídico que poderiam, dentro da Lei, em conluio com a mídia nativa (totalmente bancada pelo sistema rentista), aproveitar brechas legais para a derrubada desses governos. Foi assim no Paraguai e está sendo assim no Brasil.

O chamado "Mensalão", foi apenas um ensaio para este tipo de golpe. Funcionários do Poder Judiciário se utilizam de uma falsa bandeira de "combate à corrupção" como premissa para a inviabilidade de governos. Afinal qual o país não que não tem corrupção? Quem não quer ver este mal extirpado? Começa-se "descobrindo" indícios de malfeitos entre os players que incomodam ao patronato mundial. A imprensa trata de martelar o assunto e fazer com que rapidamente a opinião pública absorva a ideia de que indícios são provas em um verdadeiro assassinato de reputações.

Depoimentos e delações manipuladas, vazamentos seletivos, grampos ilegais de conversas telefônicas da própria presidente da república, de ministros do STF e de advogados dos réus; ações espetaculosas e abuso do recurso das prisões preventivas para forçar depoimentos. De repente o Brasil se tornou Guantânamo e ninguém se deu conta. Parentes de investigados são presos como forma de tortura psicológica. Até mesmo uma senhora cadeirante, de mais de 70 anos de idade, esposa de um dos réus. Não, não é filme de Jason Bourne. É a suposta luta contra a corrupção no Brasil. Neste instante o mundo assiste estupefato a uma espécie de "ativismo judiciário" local, totalmente ideológico e partidário.

Enquanto presidentes de países renunciam ao cargo diante da vexatória situação de exposição no recente escândalo do Panamá Papers, por aqui se vê a membros do Judiciário fazerem vistas grossas a membros de um determinado partido cujas investigações apontam para a existência de diversas contas em paraísos fiscais e, ao mesmo tempo, perseguir sistematicamente outras pessoas (sem nenhum das tais contas) pelo simples fato de pertencerem ao partido ideologicamente oposto.

A elite financeira nativa (que também se pensa elite intelectual) - historicamente corrupta, hipócrita e preconceituosa - nunca bateu panelas na época em que morriam 500 pessoas por dia por conta da fome. Pelo simples fato de que se cansaram de ver os serviçais participando e se divertindo na festa, fingem não enxergar o fato de que Dilma Rousseff é uma presidente honesta que poderá ter o mandato cassado pelos parlamentares mais corruptos da história política do país. São inflados pela mídia engajada e por grupos locais financiados pelos Irmãos Koch

A hipocrisia é tanta, que conseguiram unir acadêmicos, políticos, artistas e empresários conhecidos por contundentes críticas às políticas econômicas do atual governo. O mundo inteiro percebe a tentativa de se forjar um golpe de estado no Brasil em praça pública, ao meio-dia. Uma coisa é certa, a turbulência vai passar, golpistas voltarão ao seu lugar de sempre na história, daqueles que não sabem vencer pelas vias democráticos do voto.

Quem sabe quando toda esta balbúrdia terminar, aqueles que sobreviverem ao escrutínio do bom senso possam, juntos, independente de que lado estejam do balcão ou da festa, fazer as mudanças necessárias que permitam aos brasileiros não apenas conquistar a paz política e o bem social que tanto necessitam e merecem, mas que também possam recuperar aos olhos do mundo a velha imagem de gente boa com sorriso na cara, inteligente, honesto, trabalhador, hospitaleiro e bem humorado. Que assim seja!